terça-feira, 23 de junho de 2009

Como uma laranja: ainda não sei se amarga ou doce (mesmo assim, continuarei a ser o quê e porquê). Talvez porque gostasse que me trinchassem e que levassem um pouco de mim, para fora de mim, para fora da casca. E desse sangue, doce ácido e fresco, a escorregar para o chão, seria limpo o excesso de sabor. Como um fruto ou uma peça dura de madeira, sem trabalhos de escultor, às vezes, gostaria de ter a brutalidade da matéria original, pura e primordial na essência.


O monstro resmunga:

Mesmo a folha branca parece-me forçada. Excepto o cão que vive enjaulado no manto de pêlos sem ligar a intenções. Na minha caça, a língua fica colada ao chão, pesada como chumbo, sem triunfar na hierarquia do pequeno jardim.

Um dia, vi uma laranja caída de uma laranjeira que não existia. Cheirei essa laranja e os meus dentes eram demasiado fracos para rasgar a casca escamosa e rija. Esqueci a laranja e, passados muitos dias, voltei a encontrá-la no meu caminho. Ela tinha crescido e palpitava. A casca inchava e desinchava, como um peito que respira com dificuldade. Fiquei a olhá-la durante longos momentos e a fome apertava tanto que saltei violentamente sobre a laranja. Espumava de raiva e angústia porque não estava a ser eficiente. Qualquer coisa servia-me. Queria era comer, custasse o que custasse. Rebolei com a laranja pelo jardim, esfolei-me contra a laranja e ela estava cada vez mais quente. Num golpe furioso, consegui espetar um dente e, assim, acalmei, arfante sobre a laranja. Tirei o dente da laranja e ela começou a verter um líquido vermelho e espesso. Jamais tinha bebido o sumo de uma laranja. Bebi o líquido revigorante vermelho e espesso. Matei a fome e a laranja ficou mirrada, sob a sombra da árvore. Eu fiquei satisfeito e orgulhoso ao olhar a minha barriga inflamada de sumo.
No dia seguinte, passei pela árvore. Os restos da laranja tinham desaparecido e olhei para cima. A árvore estava inacreditavelmente repleta de laranjas, como uma árvore de Natal, excessivamente decorada e iluminada. Então, fiquei à espera que caísse outra laranja, sobre a terra húmida e avermelhada, onde se afundavam as minhas patas. Cheirei a terra e tinha o mesmo perfume da laranja que tinha comido: perfume de mulher misturado com a essência de um anjo.




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