domingo, 11 de julho de 2010

O monstro canta, tal como se cantava sobre uma tal Mary Jane, na sua adolescência entre ciprestes e pomares invioláveis em pecado. E, sem perceber porquê, a música vinha-lhe à memória, como uma doce jorrada revigorante de pertença. Apesar disso, foi um bolero a animar-lhe o espírito, quando compreendeu que o solo terminaria em uníssono e muito mais viriam dar-lhe o acorde para afinar aquela trapalhada toda. Assim, o monstro, que já há muito espreitava o que se passava lá por baixo, sentiu-se com coragem para dar uns passos de dança, mesmo que os outros não se apercebessem. E sem que ele mesmo se apercebesse que se deixava embalar entre os abraços dos outros seres, escondidos como os répteis sabem ficar, e deixava-se escorregar no meio do incógnito e do desconhecido, com a maior das ligeirezas que reflectiam o seu alívio. Pode-se dizer que o monstro parecia feliz, com essa bonita melancolia musical, a dar-lhe um recorte de frescura entre aqueles imundos supostos amigos. Porque apesar do que ele pensasse sobre os outros, ele de facto não compreendia aquela linguagem de códigos de animais armados em gente de duas patas. Por isso, optou por mostrar o seu lado mais animal e mais descarado.

Mas havia outra música da qual lembrava-se. E cantava-se que a senhora tinha de “mauvaises nouvelles” e que não encontrava palavras para contar-lhe, tal como o monstro não tinha números para acrescentar à sua contagem de estrelas naquela noite esplêndida. Mas para a senhora da música acaba tudo por ser triste, cantado na voz redimida da confissão. Mas o monstro não apetecia confessar-se, a ninguém, talvez com excepção do silêncio do céu.

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