terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Sobre a ponte, nada preciso de justificar. Ou quando me estendo sobre as tuas pernas, apenas tenho a perguntar ao suor que me lava o sangue. Quando estou sobre a ponte perco a minha medida e torno-me em corpo a espairecer no limite. Nada tenho a justificar perante o sol que me apaga o olhar, mas que me aquece os dedos. Agarro-me ao corrimão para não tentar abandonar-me no chão flutuante, para não chocar contra quem passa e abafa o silêncio magnífico daquele momento. Se eu desistir sobre a ponte, terão de me puxar pelos cabelos para ter de sentir que a cabeça se quer separar do coração.
Toda a água é agora minha submissa, toda a água que passa por baixo de mim são pés descalços e frios que procuram destino. Agarro-me à ponte para que ela me comunique (o mundo é o outro lado e o meu amor é tudo isto) a passagem, o início e o final que ainda não existe, apenas sinto o veludo que irrompe pela minha boca e se alastra em canudos por todos os meus membros. Apenas tudo isto.
Dois opostos encontram-se em mim como foguetes disparados. E eu cismo ao fim de tarde, com o frio a fazer-me mal, mas espero a minha hora para atravessar, sabendo que tenho de esperar. Um dia, eu serei ponte e vou entregar a outra margem da felicidade. A ponte que se ergue de baixo do mar e é véu sobre ondas e também ondas que gritam e que choram na hora das madrugadas e todos os amores irrealizados, como navios naufragados, também é osso partido e roubo de beijo, é a angústia silenciosa de não libertar.
Sobre a ponte, escolho ser estátua com coroa de corvos, corvos negros como a noite com a luz mais profunda. E os corvos erguerão as suas asas, mas não levantarão voo para ouvirem como soa a imortalidade, como corre desenfreada e solta na água e electriza o bronze.
Enquanto a saudade não fere, ela olhará sempre a água a cintilar na luz do fim de tarde.

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