segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Suburbian Legends: Naquele caminho que me perdeu (remake do Sem Registo)

“A longo prazo, os subúrbios triunfarão de tudo, embora seja difícil determinar se constituem uma zona convalescente da cidade ou uma espécie de parque zoológico de animais de estimação. Na verdade, talvez correspondam ao lugar onde uma cidade sonha...” (J.G.Ballard, A Bondade das Mulheres)



Sei as poças daqui. Sei os seus lugares indevidos e os humores de catástrofe que as comandam. Mas não sabia que a chuva vinha de mim. Que havia sempre o outono em cada árvore. Que a pressa é lenta como o salto da folha de um ramo alto. Não sabia que, afinal, tinha uma certeza: as casas na vastidão do olhar. Para experimentar a minha certeza, trepei ao telhado de uma das cobaias para ver o fim do mar e como era ser longe. E era longe e não acabava na paisagem. O silêncio das chaminés terminava na ponta dos meus dedos roídos e, nós, permanecíamos quedos perante a imensidão que nos engolia. Eu escolheria adormecer rocha para, quando o tempo devorar, eu continuar matéria. Ou levantar-me falésia para ter o doce do mar a lavar-se em mim. Do alto, vi o meu coração pendurado por uma mola no estendal. A secar! Ainda a bombar um pouco de sangue das veias ofegantes. Seria menos um peso. Para quê se me faz sempre frio?
Antes que descesse para a escada, pensei no salto grande que teria de dar se quisesse pousar de pé. Calculei o balanço e deixei que o meu corpo rompesse as minhas roupas e saltasse. Lá foi ele, entre a vertigem e os prédios. Cá de cima, ouvi um baque. Não! Um Bach que nasceu-me monstro das mãos. Por instantes, tive de repetir o meu pensamento para coordenar-me no meio dos gestos de terror. Afinal, o destino poderia não ter fim. Calei-me para que pudesse ouvir que ainda pisava o telhado, mas o meu corpo lá em baixo…mas o meu corpo aberto para que todos vissem como era, para que todos vissem a minha beleza liquidada no chão. Para que todos vissem o coração que me faltava e que estava pendurado num estendal a secar.



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