quinta-feira, 5 de março de 2009

O meu Real Jardim

Quando dormia na casa da minha avó, decorei os sons dessas noites. Dormia no sofá da sala, retalhado por uma manta de lã colorida. Por cima do sofá, estava um espelho enorme pendurado imponentemente, onde me cabia o corpo inteiro. Quando muitos anos passaram, os membros já não cabiam inteiros. Ao adormecer, magicava que seria engolida pelo espelho e nunca mais ninguém me descobriria. Concluía com a agonia que sentiria se fosse qualquer imagem reflectida. Por isso, um dia, decidi parti-lo com um vaso de flores que estava em cima da mesa, à frente do sofá. Havia também um leque que acalmava quando a corrente de ar não era suficientemente forte para matar o calor misturado com o ar espesso poluído da cidade. Mas era calmo e havia uma grande palmeira nas traseiras da casa. O papagaio contava-lhe histórias durante a tarde e eu, escondia-me atrás da porta, para também escutar o que ele dizia.
Sei os sons de cor e nunca os hei-de ouvir outra vez. A minha avó mudou de casa e eu também mudei. Agora, tenho uma cama grande e a respiração de um homem que me regula o sono.
Mas a árvore cansada continua lá, a murmurar a sua preguiça, o seu cansaço e a sua velhice para aqueles que se sentam sob a sua sombra e se refugiam nas varandas solarengas de fim de tarde ou para as crianças distraídas do mundo e das crises. É um jardim com patrão, com chefia de árvore secular. E, nessas noites, conseguia escutar o arfar bruto do sono de uma árvore que aloja vidas, pombos, arames, migalhas, desabafos, histórias que morreram ali.

Para mim, o jardim mais belo em todo o mundo.




3 comentários:

  1. Só para avisar que acho que me sentei nessa árvore e a parti, mas não digas nada a ninguém!

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  2. ahaha eu estou descansada porque essa fica noutro sítio!

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  3. Uma árvore cansada com os braços do tamanho do mundo, que me abraçaram desde criança e à sombra dos quais alimentei ilusões e imaginei sei lá quantos projectos inacabados. Agora, quando a revejo, penso naquilo que podia ter sido e não fui. Nem sei bem o quê. Que interessa? Sou o que sou, tal como árvore. A caminho da velhice, tal como a árvore.

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